domingo, 26 de dezembro de 2010

Ponte do Limão.

Eu estava quase pulando, quando ela apareceu e disse oi. Olhou-me de cima a baixo e disse:

- Se eu fosse tu, eu não pulava.

Olhei de cima abaixo também, para ela.

- Se eu fosse tu, eu também não pulava, eu ia ali na esquina e descolava uma grana com esse corpinho.

Tirou um cigarro da mochila, acendeu, soltou a fumaça e olhou-me.

- Aposto que você não quis dizer isso. Aposto que tu só ta tentando manter a fama de ranzinza.

Mas você nem me conhece - eu disse - não sabe se tenho fama de ranzinza.

Ela disse: É ? - e já emendou com um: Mas você tem cara de quem faz essas coisas.

Fiquei em silêncio. Era o fim, não havia mais nada, não havia sequer algo para dizer.

- Se você não pular, divido com você o pedaço de pizza de calabresa que tenho numa tigela aqui na minha mochila....

Não lembro qual foi a ultima vez que uma garota me ofereceu um pedaço de pizza.

Sabe quando um rosto novo anuncia algo de bom que poderia acontecer?

Naquele dia eu resolvi não pular.

Efêmero

Ele a encontrará sentada na sarjeta fumando um cigarro num dia pobre.
Ele se aproximará e dirá: Oi. Ela responderá o Oi, ainda sem empolgação.
E eles conversarão, ele em nenhum momento irá se incomodar com o fato dela usar uma camiseta rasgada nas mangas, uma calça jeans surrada e um all star sujo.
Ele não se incomodará com nada, porque ela será receptiva.
Ele saberá sobre tudo, todos os filmes, todos os livros e tudo. Ele saberá tudo sobre tudo.
Ele saberá coisas que ela nem mesmo pode imaginar que existem.
E ela estará fumando e pensando em todos os livros que abandonou antes de chegar na metade e em todos os filmes que não conseguiu chegar ao fim.
Mas ele irá acha-la interessante, mesmo assim, contudo.
Contudo, ela sorrirá ao pensar nessa possibilidade.
Mas não se surpreenderá ao constatar que era a única garota da rua.

Outro miniconto sem título.

- Mãe, ele me seguiu até aqui. Posso ficar com ele?

Pensou que a mãe diria:

- É mesmo? Mas você mora tão longe, como você diz, tão afastada da civilização. Como ele conseguiu te seguir até aqui?

No entanto, a mãe respondeu:

- Ok, pode convidá-lo para entrar. Mas quem vai cuidar é você, entendeu? Quem vai dar comida, é você, dar banho, é você, levar pra passear, é você. E você que vai limpar a sujeira!

Imediatamente afastou os móveis e deixou para o novo membro de sua vida um espaço.

Ela disse:

- Vou te chamar de Rex!

E ele fez cara de interrogação.

- Oras, mas rex é tão bonito....rex, hei rex, rex vem buscar o teu jantar!

Ele abanava o rabo e sabia muito bem como ganhar uma recompensa.

Pensou que não era necessário uma coleira. Alguém poderia encontrá-lo na rua. E qualquer pessoa seria capaz de dizer:

- Sei quem tá cuidando de você, é evidente. Acho melhor você voltar pra casa, daqui a pouco vai chover!

E ele tomaria chuva na cabeça e ficaria pensando, em tudo que já estragou, tudo que já sujou e aquilo deixaria a chuva escorrendo nos pêlos de sua cabeça de forma mais triste.
Triste porque preferia não dar trabalho algum, embora fosse bom ser cuidado por alguém com tanto carinho e compreensão.

Havia um tapete seco no batente da porta. E ela o esperava com uma toalha felpuda em mãos para poder enxugá-lo. Agora já sabia como enxugar.
No final das contas, depois de tanto tempo, era necessário alguém para ela cuidar nas noites de chuva.
E de frio.
E de calor também.
Em todas as noites, era o que ela pensava.

Sempre haveria espaço, todo o espaço.