domingo, 12 de abril de 2015

em grupo

Trabalhar coletivamente é ganhar na votação e perder em outra. É argumentar e convencer, argumentar e não convencer, é escutar um argumento e se sentir convencida.
É difícil, porque é entender que não se está só no mundo, é lidar com as perspectivas, as habilidades e o jeito do outro. É aceitar e entender que há outro. E se sentir feliz por não estar só.
É descentralizar, é dividir, é compartilhar. É sentar e conversar. É um olhar e um sorriso depois de um dia duro.
É um ombro para apoiar a cabeça. É um abraço depois que a chave perdida há alguns minutos é encontrada.
E acima de tudo, é gratificante.

Neusa Sueli e outras histórias

Há uns dez anos, quando eu comecei gostar das peças do Plínio Marcos e a procurar livros dele, minha mãe me contou uma história que eu achei linda mas triste.
O Plínio Marcos costumava frequentar as faculdades para vender os livros que escrevia e falar sobre eles. Eu descobri isso quando eu li um livro dele em que ele cita isso, foi um livro que eu peguei emprestado da biblioteca da minha sogra. E isso tinha tudo a ver com a história louca que a minha mãe contava.
A minha mãe trabalhou durante muito tempo em uma faculdade e certa vez, Plínio Marcos estava lá. Talvez ele não fosse tão famoso naquela época mas era um autor vendendo livro e posso imaginar, a minha mãe canceriana - como eu - numas de comprar um "livrinho" pra ajudar o moço.
Segundo ela, na hora do autógrafo, Plínio Marcos a olhou fixamente (ela não conta com estas palavras, mas sabe como é, eu gosto de escrever...) e disse: "Pô, seus olhos são bonitos pra caralho!" - esta parte em aspas ela conta deste jeito mesmo.
Eu conheço um tanto de Plínio Marcos para achar este fato totalmente crível e nunca questionei a veracidade desta informação. Mas perguntei, e o livro? Quero ler.
Eu nunca questionei o fato dos olhos da minha mãe serem bonitos pra caralho também. Sempre lamentei não ter herdado o par de olhos dela mas, fazer o quê.
Mas depois desta história passei a lamentar também o sumiço do tal livro. Esse livro tinha uma história e sendo a terceira geração de pessoas acumuladoras eu achava o sumiço de um livro com tal história, estranha. E triste.
Ela contou que quando ela casou, a minha vó deu os livros dela, inclusive este. Eu não lembro de ter perguntado para a minha vó sobre o livro. E talvez ela não lembrasse, talvez não quisesse dizer se estava com ela (a minha vó, tinha muito disso).
Cheguei a pensar em procurar o livro em todos os sebos possíveis mas parecia difícil, era uma história antiga, a minha mãe não lembrava do título, editora e nada. Só sabíamos que era do Plinio Marcos com uma dedicatória para ela.
E então depois da raiva, veio a aceitação.
Hoje eu estava mexendo no armário de livros da minha vó. Meu pai observava a cena de longe, atento aos comentários que eu fazia diante dos títulos que eu encontrava por ali.
E lá estava ele.....capa mole, branca e vermelho, fino, pequeno, encolhido entre todos aqueles títulos espíritas. O nome em cima do título não deixou dúvidas, Plinio Marcos.
Minha primeira reação foi repetir caralho 3 vezes seguidas. Depois abri o pequeno livro perdido por pelo menos 30 anos. E lá na primeira folha, estava singelamente legitimando a história toda, com a caligrafia do Plinio Marcos: "Sueli, uma graça".
Eu pedi para o meu pai devolver o livro para a minha mãe porque eu acho que ela vai ficar feliz.
E eu fiquei tão feliz por ter recuperado o livro perdido que eu nem lembro o título dele. E aí entendi porque muitas vezes os títulos parecem pouco importantes.

brisa

Ontem eu cheguei atrasada na aula. O professor me recebeu na porta falando francês. Eu havia tomado só duas Stellas por isso consegui perceber que apesar do professor ser alemão era francês, sim. Ele me levou da porta até um lugar na primeira fileira. Senti minhas bochechas corarem diante da turma toda. Talvez eles estivessem entendendo e combinado alguma coisa. Eu sentei e falei Merci. Deve ser uma das poucas palavras que eu sei em francês e até me surpreendi por conseguir lembrar dela tão rápido. Uma amiga perguntou se eu falo francês. É claro que não, e eu não entendi uma única palavra daquilo tudo. Ele retomou a aula e era Freud. Eu tinha uma dúvida e ele respondeu em francês. E aí eu perguntei: professor, você está falando em francês porque eu cheguei atrasada?
E ele disse: você não nasceu em Paris?

das coisas que saem bastante

O senso comum tenta imperar em qualquer lugar, não é mesmo? Não tinha Erdinger mas não cheguei a ficar triste. Resolvi beber um drink qualquer. Eu estava indecisa quanto a qual vodca escolher para acompanhar o kiwi. Perguntei: quais são estas vodcas, moço? 
Mas o moço me mostrou a smirnoff...e disse que essa estava saindo bastante. Eu tou fugindo de tudo que "tá saindo bastante", principalmente quando há opções e o lugar da qual tá saindo bastante oferece como leitura do hall de espera, a revista Veja.

ser de verdade

Quando criança eu acreditava em muitas coisas. Eu acreditava no papai noel e no coelho da páscoa. Eu acreditava que o Castelo Rá-Tim-Bum existia. Eu acreditava no homem no saco, no papai do céu. E se alguém me contasse que quando se cava um buraco muito fundo se pode chegar no Japão....eu provavelmente acreditaria nisso. Mas não na poesia. Não na imitação da natureza, não na arte. Minhas experiências no teatro quando criança foram muito frustrantes porque eu sempre dizia para mim mesma: Não é de verdade. E não me interessava um índio ou uma onça que não fossem de verdade. Eu não entendia o pacto estabelecido pela arte, a imitação da natureza proposta pela arte. Se quando eu fosse criança tivessem me contado a história do Platão que quis expulsar os poetas da república...certamente eu teria achado o máximo. Se tivessem explicado as coisas que o Aristóteles disse sobre a imitação...que a graça da arte é essa, talvez eu tivesse achado o teatro o máximo, desde o início.
Mas isso importa pouco. Ontem eu estava no Museu Marítimo lá em Santos e umas crianças entraram correndo perguntando se todos aqueles objetos do Museu eram de verdade e eu senti saudade, não daqueles objetos velhos do Museu, mas da minha ingenuidade quando criança. Era ótimo não saber de nada.

os ratos

A história dos ratos no sótão não terminou naquele dia. Foi por tempo e até mesmo razões financeiras que deixamos a vontade de comprar o transmissor de ondas sonoras que afasta os roedores, para depois.
Nesta semana o Thiago começou o papo tentando não me alarmar: Sabe que hoje antes de ir para o trabalho, o Sherlock e o Gregorio estavam na janela da lavanderia olhando para cima? Aí olhei também e tinha dois ratos ali. Meus gatos, muito frustrados com a nossa negativa a respeito da vontade deles de subir para o forro. Finalmente com a turminha roedora tão próxima deles, ali mesmo na lavanderia há alguns metros acima da caixa de areia.
Por um lado admirei a ousadia dos ratos. Eles desceram pra nossa lavanderia para dar um rolê pela calha mesmo com a existência de três gatos aqui. Tenho vivido com ratos sobre a minha cabeça mas sempre segura, sabendo que se os ratos descerem o Sherlock, meu gato mais caçador está aqui zelando pela sua ração e bem estar. Tem o Gregório também que não é um caçador tão bom mas acharia divertido trocar as baratas e mosquitos pelos ratos e a Pandora que nem está preocupada com isso mas cito a fim de somar força.
Hoje quando eu acordei vi o Sherlock observando de perto uma coisinha rosa no chão. De longe, parecia um teco de carne, hipótese rapidamente descartada visto que nunca cozinhamos carne por aqui.
Curiosa, agachei e fui ver o que era. Apesar de choque, constatei bem rápido. Parecia um mini feto. E era um filhotinho recém nascido de rato dando suas primeiras respiradas na minha lavanderia bem abaixo da fuça do meu gato caçador. Suas últimas respiradas também.
Os ratos estão transando aqui em casa e deixando os filhotes para eu cuidar!
A mãe rato pariu seus ratinhos na calha durante o seu rolê. Um deles caiu e os outros dois, o Thiago encontrou depois ao subir com a escada para ver a situação da calha. A mãe rato o viu e fugiu, deixando seus filhotes para trás.
O milagre da multiplicação acontecendo há metros da caixa de areia mas em uma altura que os gatos jamais poderiam alcançar.
E então lembrei que o Jerry sempre foi mais esperto que o Tom e que na vida não haveria de ser diferente.

som ao vivo

No dia em que terminamos eu resolvi colar no primeiro boteco que vi pela frente. Eu pedi logo um litrão e decidi beber tudo. O barzinho ao lado tinha música ao vivo. E ele estava cantando aquela do Tim que fala "você é algo assim, é tudo pra mim, é como eu sonhava, baby". Eu lembrei de você. Da primeira vez que te vi, o sol fazendo a sua pele morena brilhar. Essa imagem ficará guardada em minha memória para sempre, eu sei. Ainda bem que era dia e eu estava de óculos de sol porque naquela parte do "não, não vá embora" eu comecei a chorar. Ninguém viu, eu mexia a minha cabeça no ritmo da música como se fosse um dia bom. Vou morrer de saudade, não, não vá embora, vou morrer de saudade.