sexta-feira, 17 de julho de 2015

constatações


I
Houve uma eleição muito marcante durante a minha infância em que um dos políticos distribuía de brinde uma estrela de xerife.
Eu sempre adorei o universo faroeste e quando um amiguinho da escola me arranjou uma estrela de xerife, eu fiquei maravilhada por ganhar um artefato faroeste.
Eu andei muitas vezes com essa estrela de xerife. Eu gostava dela e ela era parecida com aquelas que eu via na tv. As minhas bonecas também chegaram a usa-la em algumas ocasiões. Mas a minha estrelinha tinha o nome de um xerife específico. E eu sabia que fora ele o responsável pela distribuição de todas aquelas estrelinhas e a nossa onda de ir pra escola com estrela de xerife. O nome dele é Romeu Tuma.
Aposto que você que tá lendo isso e estudou história do Brasil já deve ter ouvido falar dele.
O Romeu Tuma foi um dos responsáveis pelo sumiço de vários desaparecidos políticos durante a nossa ditadura.



II

Gosto de acompanhar os meus pais nos rolês deles. Nem sempre dá, é verdade. Mas eu sou canceriana, sabe como é, adoro ver as pessoas sorrindo, principalmente meus pais. Bom, meus pais agora gostam muito de ir em shows. Shows que eu não iria, mas como eles vão, eu tento ir sempre pra fazer companhia, claro. Eles são ecléticos. Quando é um show tipo Daniel, eles não me chamam porque sabem que eu não vou, mesmo pagando todas as budweisers que eu conseguir beber. Alguns outros eles tentam, tipo o Roupa Nova e aí eu aceito porque parece suportável e um esforço razoável por eles. Eu não conheço tanto Roupa nova pra saber se eu gosto deles ou não. Foi pensando no "eu perguntava tu e o holandês" e alguns outros clássicos deles que tocava nas novelas e festas de dias das mães como "dona" que eu aceitei este convite. Por indicação do meu velho pai, liguei agora no netflix pra ver um show deles, pra não ir tão perdida no tal show, pros meus velhos não ficarem com vergonha de mim por eu não estar tão informada sobre os últimos sucessos do roupa nova.
E já me arrependi. Tem uma música deles em que eles tocam num barco que está em algum rio de Londres. E o guitarrista é um tiozão que toca uma guitarra da Hello Kitty. Por que ele usa uma guitarra rosa da Hello Kitty? Qual a mensagem por trás disso?

Talvez eu demore um tempo a sacar esta bem como o que eles queriam dizer com essa de "eu perguntava tu e o holandês e te abraçava tu e o holandês".
Quando adolescente fiquei com um carinha. Eu gostava dele mas ele, acho que não gostava tanto de mim. Ele disse que a vida era uma partida de futebol, que as coisas tinham um fim. Então depois um mês já éramos apenas um contato de msn um do outro e muito tempo depois ele me chamou para ir num rolê. Mas dois anos já haviam passado, eu já havia avançado nas minhas leituras, conhecia outras pessoas, outros carinhas. Mas eu aceitei o convite do carinha para ir num show de uma banda que eu já tinha gostado. Um daqueles dias em que não há nada melhor para fazer. E lá no show, espremida no meio da multidão com esse carinha que eu tinha gostado uns dois anos antes, vendo essa banda que eu também já não gostava tanto há um tempo, percebi o meu grande erro e pensei: algumas coisas do passado, é melhor que fiquem no passado pra não ficar pior. Dois anos fazem muita diferença, não tinha nada a ver estar ali, eu afinal de contas, já havia passado da idade de gostar daquele cara e daquela banda. Então como uma Cinderela que tem que voltar pra casa, eu disse que precisava ir embora! Porque naquela época, tinha uma coisa que eu já não era: obrigada! Naquela virada cultural subi as escadas do metrô anhangabaú e lá na parte de cima do metrô dei sequencia ao meu rolê, que ficou muito melhor porque eu havia enterrado o carinha e acabei encontrando por acaso alguns amigos na famigerada praça do piano.
O msn caiu em desuso e nunca mais fiquei sabendo do tal carinha.
Ontem pela manhã eu estava no busão e o carinha apareceu, acho que nem me viu ou reconheceu. Que bom!

E eu pensei que se a vida é uma partida de futebol que bom que é isso de ter um fim porque pensando bem esse cara é tipo o Brasil naquela partida da copa em que a Alemanha ganhou de 7x1: quando a gente acha que não dá pra piorar, piora e a gente lembra e sente vergonha.
O sistema estava demorando para funcionar e o empréstimo demorando mais do que o previsto. O cara perguntou se ela era bibliotecária e ela disse que não, disse que faz letras. Ele perguntou que língua ela estudava no curso de letras e ela respondeu honestamente, inocentemente, naquele tom de quem responde bom dia no elevador porque é obrigada: espanhol.
E aí o cara achou que era muito bacana cantar a moça no ambiente de trabalho dela e mandou a cantada mais clichê que poderia existir:
- Espanhol é a língua mais sexy. Adoro mulheres que falam espanhol.
E ela que até pensava a mesma coisa achou o cara um imbecil predador por manifestar isso desnecessariamente e imaginou que legal seria ter essa liberdade de fazer e manifestar o que quer que esse cara achava que tinha. Daria para pegar a cabeça dele e quebrar toda a arcada dentária do cara naquele balcão. Seria ótimo mesmo.
Mas a vida é assim: algumas pessoas tem (acham que tem) a liberdade de dizer e fazer o que querem, invadir o espaço alheio, sabe. Outras não.

E mais sexy que o espanhol só o silêncio, né? Essa capacidade rara que muitas pessoas ainda não conseguiram desenvolver para evitar falar merda e agir de forma mais humana, menos animal.
Eu estava sentada em uma mesa retangular de pernas cruzadas e na minha frente havia muitos adolescentes. Eu perguntava quem já havia prestado vestibular, quem queria um curso de exatas, biológicas ou humanas - este último me causou uma certa pontada no estômago. Uma amiga me ligou e me chamou pra dar um rolê, eu disse que não podia porque estava dando aula. Então, aquela situação era uma aula. Aqueles adolescentes eram alunos e eu...professora. Eles pediam para eu falar maisalto e eu achava isso estranho porque sei que normalmente meu tom de voz é alto. Então, eu pensava: Não estou sendo ouvida, tem alguma coisa me silenciando - enquanto tentava aumentar meu tom de voz e projetar até os meninos da última fileira. Mas era inútil. Era como um daqueles sonhos que você tenta gritar "mãe!, mãe!" mas a sua voz não sai, sabe? Eu sentia meu corpo doendo. Ele me acordou e ao abrir os olhos lembrei desta sensação de agressão. E da voz que é silenciada. Eu lembrei das coisas que estão acontecendo e me senti um pouco mais fraca e com dor nas costas do que de costume.

Estou muito nervosa com tudo isso que rolou no Paraná e desesperançosa porque não é a primeira vez que alguma coisa desse tipo acontece e tudo fica de boa. Eu lembrei que estou matriculada num curso de licenciatura e agora estou me questionando, eu tenho coragem para ser professora e viver o sistema educacional deste país?