domingo, 26 de junho de 2011

Procura-se, paga-se bem.

Oi, gente.
Estou procurando uma pessoa...ela sumiu há algum tempo, não obtive mais notícias, por isso acabei descartando a possibilidade de sequestro.
Fui até a praça Roosevelt mas disseram que há algum tempo ela não aparece por lá. Ouvi dizer que não tem mais a grana para pagar a cerveja.
Lá na faculdade dela, algumas pessoas a conhecem, mas também não sabem dizer o que poderia ter acontecido.
Perguntei para o professor o qual ela sempre mencionava e ele disse que também não sabia, embora soubesse que ela poderia estar por aí, lendo o Fausto.
Mas eu achei um fausto na rua, um fausto de capa preta, talvez seja o dela. Estou confusa, onde ela foi parar?
Tentei contatar O Namorado, talvez ele soubesse, ouvi dizer que eles sempre estavam juntos. Mas ele também não sabia.
A última vez que a encontrei, ela carregava consigo um bloco de notas. Observei de longe, ela escrevia coisas em seu diário mas em seguida arrancava a folha, amassava formando bolas de papel e jogava no cesto do lixo.
Parecia chorar.
Talvez fosse pelo seu all star sujo que tinha a sola descolada.
Ela está fazendo muita falta para mim. Hoje acordei e a privada estava entupida, mas havia um bilhete avisando.
Eu me senti tão mal, tão solitária. Neste momento, meu peito sentiu muita saudade dela. Tenho certeza que se ela estivesse aqui agora, tudo seria menos pior.
Mas ela não está mais aqui. Talvez ela tenha pegado o último Jaçanã e partiu.
Outrora havia dito que seus parágrafos fugiram todos um a um. Eu inutilmente pensei no que poderia fazer. Mas o tempo me consumiu....
Gente, por favor. Se alguém a encontrar por aí....diga a ela que eu a queria de volta.
Digam á Mayra que escrevia aqui que eu sinto muita falta dela.

Grata,

Má.

Criaturas fantásticas e eu

Para o Thiago que gostou deste texto.

Lendo meus textos, não preciso ir tão longe, talvez dois posts abaixo.
Me questiono onde fui parar.
Acho que em algum momento do meu passeio, eu afrouxei as rédeas e o meu cavalo tão pesado, começou a correr em disparada.
Eu não sei onde eu fui.
Eu sabia que dali então, eu iria bater.
Ainda não bati, não.
Meu cavalo estava pesado e queria voar, de fato saiu voando.
Trombei com uma árvore no meio do caminho. Doeu horrores.
Continuamos no passeio mesmo assim.
Mas agora tenho um galo em minha testa.
Agora estamos iguais. Meu cavalo e eu.
Por que não era um cavalo, era um unicórnio.

Réquiem

Por medo da solidão acabou sozinha em um quarto de hotel no ponto mais alto de seus 80 anos.
Assim esperava o fim da vida depois da morte do marido. Ah, o marido que ela amara tanto.
Com ele, quatro lindos filhos, muitos cachorros, gatos e flores.
Que sorte ter tido mais de um filho. Agora poderiam dividir as despesas entre si.
O quarto não era dos melhores, verdade. Mas tinha um banheiro de ducha quente e café da manhã.
Não precisava cozinhar. Comprava suas comidas diabéticas no começo do mês e assim não era preciso sair do quarto.
Na época da juventude tinha dois medos e um deles era a diabete, o outro, já mencionado nesta história era a solidão.
Agora sofria de ambos.
Era o momento das crianças, agora adultas, estudarem, trabalharem e criarem sua terceira geração.
Nos fins de semana, buscavam a senhora no quarto e a levavam para passear. Segurava os netos no colo enquanto sentada, pois sua coluna já estava retorcida há algum tempo.
Assistiam um filme, viam fotos antigas, uma peça de teatro, uma exposição, um passeio no parque, qualquer coisa.
Mas durante a semana, a vida era assim: Triste.
Pensou nisso ao cantar parabéns para si mesma diante de um bolo de chocolate diet.
Apagou as 80 velas que havia acendido cuidadosamente e depois foi dormir.

Minicontos

I

Sentia-se muito sozinha todas as manhãs e todas as manhãs pensava como sentia-se sozinha.
Já havia gostado da poesia e da estética das palavras mas depois de um tempo a vida tornou-se seca.
Acordava logo cedo ao escutar o barulho da porta do quarto abrindo e ficava deitada na cama contemplando a lâmpada por um tempo.
Depois disso, tomava coragem para levantar-se e dar certo naquilo que, por convenção, também chamava de vida.

II

Naquela época carregava em sua bolsa de barraquinha muitas expetativas que com o
tempo tornaram-se frustrações que caíram uma a uma pelo chão de piso frio xadrez.
O chão não era realmente frio, tampouco o mundo duro.
Apenas tivera expectativas demais.

Epígrafe

Aqui jaz alguém que queria imitar Vírgilio, escrevendo sua própria epígrafe.
Aqui jaz alguém de coluna podre, joelho podre, apodrecendo por inteira.
Aqui jaz alguém que já foi e não é mais.

domingo, 20 de março de 2011

Ensaio sobre o desapego.

Tudo ficou bem pior depois que a família resolveu arranjar um gato.
O local que já era quente e úmido ficou um pouco mais abafado e claustrofóbico depois disso.
"Não podemos deixar as janelas abertas, o gato foge" – é o que diziam.
Sim, é da natureza dos gatos fugir. E não há porque segurar. Todo gato vagabundo volta quando dá fome.
O calor entrava pela casa e lá ficava. A umidade corroía as paredes, deixando marcas de mofo e bolor.
Havia alguns fumantes na casa, o que tornava o ambiente um pouco mais pesado, já que a fumaça ficava impregnada no teto, não tendo para onde ir.

Chorava debaixo do chuveiro. Sem acreditar que um dia pudesse sair dali.
Juntava muitas moedinhas dentro de uma lata de achocolatado fazendo até o impossível para que um dia as coisas dessem certo.
Um dia as coisas deram certo, ainda que tenha levado muito tempo até então.
E nesse dia foi embora para nunca mais voltar.

Um tempo depois ficou sabendo que o gato havia fugido.
E no dia seguinte avisaram, a família havia morrido durante o sono. Causas desconhecidas.
Recebeu o laudo médico. Parada respiratória fulminante.
Fim trágico.
Chorou pelo inevitável, mas já havia desistido há algum tempo.

Agora, sem gato e sem família poderia abrir as janelas.

Mas já era tarde. Estava longe.

Como tantas outras coisas, não fazia mais diferença alguma.

Caverna

Meu coração é feito de pedra, entre cada pedra há algumas fendas e entre as fendas crescem pequenas plantinhas verdes. Filhas da úmidade, filhas de um coração que de tanto contrair solta pequenas lágrimas com dificuldade.
No fundo há um baú. E neste baú guardo algumas mágoas. Com o tempo, tornam-se esquecidas.
Tem dias em que o velho baú abre-se sozinho e essas mágoas saem e permeiam todo o coração, deixando marcas de bolor pelo teto.
Nos outros dias, eu coloco uma toalha bonita em cima do baú, embaixo de um lindo vasinho de flores.
E desejo acreditar que tudo ficará bem.

Me faltam novidades.

Tirando o velho você dá espaço para o novo entrar.
É, mas as vezes é muito difícil tirar o velho. Porque há o apego.
Há o tempo o qual as coisas estiveram guardadas aqui.
Guardei tudo isso por tanto tempo, que é quase muito estranho retirar-las daqui.
Mas hoje, assumi para mim mesma, chamei todas aquelas coisas velhas que não me acrescentavam nada e só me causavam desconforto, chamei todas aquelas coisas de lixo. E separei em sacos e tirei tudo daqui.
E agora estou mais leve. Agora eu vou assistir um filme, agora eu vou andar.
Agora o novo poderá entrar porque eu tirei o velho.

No entanto, sei que as vezes o velho não sai de jeito nenhum.
Mas tudo bem, se o velho não sair tudo bem. O novo entra pela fresta.
E é pela fresta que entra a luz.