quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A água ainda deve estar quente.

Foi o jeito que eu dei pra achar um pouco de poesia na solidão e na dor.
Uma vez perguntaram a ele o que ele fazia quando algo acabava e então ele disse "Eu transformo". E eu guardei com tanto carinho aquela informação.
Arquivei junto com aquele ensinamento - que aprendi com ele também - sobre o "conhecimento funcionar com sobreposição" que eu inutilmente passei para frente na minha aula de linguística.
Desde então venho tentando sobrepor e transformar, mas as vezes me demoro.
As vezes só consigo pensar ao sentir a água quente do chuveiro escorrendo em meus cabelos curtos, batendo em minha nuca.
E eu sinto o cheiro do novo shampoo e busco em minha memória, alguma lembrança já esquecida.
Olho com alguma mágoa para as calcinhas que eu pendurei numa torneira que um dia já fez jorrar água em uma banheira.
Calcinhas que já viram melhores dias. Calcinhas que preciso pendurar no meu varal. Não há mais calcinhas em minhas gavetas, acho que é o momento de comprar calcinhas novas.
Eu peguei creme demais. Daqueles cremes de pote que quando a gente passa, escorre pelo rosto e ainda assim, achamos que o nosso cabelo estará salvo.
Eu queria um cachorro amarelo e sorridente que me esperasse melancolicamente, com a cabeça entre as patas, abaixado na porta, enquanto eu não chego.
Eu queria um gato vagabundo como eu, só meu, que olhasse pra mim e pensasse "Essa é a minha humana, é a humana que eu escolhi. e esse é o meu cachorro, e essa a minha cama, e esse meu sofá e esse meu canto
e essa é a minha cadeira, mas a minha humana acha que ela é dona de tudo isso só porque ela comprou". E ele saberá que nós somos donos apenas do que nós escolhemos e talvez apenas ainda, do que nos escolhe.
Eu ainda penso sobre a morte que aguça a minha curiosidade. A morte do lado de lá. Do lado de cá eu choro, do lado de lá eu nem sei, eu nem sei que já morri.
Lá de longe vem uma música que está tocando no rádio, algum heavy metal. Parece que tem alguém.
Eu já percebi como troco de assunto a cada linha. Eu posso estar feliz, mas a solidão estará sempre aqui.
Ela apareceu na primeira linha e na antepenúltima, enquanto transformo o frio no calor, numa prosa sobre a dor.

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