domingo, 28 de dezembro de 2014

Querida, eu queria dizer que há muito tempo nós não nos vemos. Foram as circunstâncias que nos deixaram assim, tão afastadas. Foi o tempo. Foram todos aqueles meses encostada em casa sem ter para onde ir.
Lembrei de você durante todos estes meses. Em como sinto a sua falta. Em como sua presença me fazia bem, em quantas coisas fizemos juntas durante o tempo em que estive contigo. As aventuras de Tintin durante a madrugada. Lembra disso? 
O que restou disso tudo? Não sei. Talvez cansaço. Dores nas articulações e mais tantos fios de cabelo branco que eu inutilmente venho tentando disfarçar de seis em seis meses. E eles sempre voltam com uma agilidade extrema, só você, querida, que demorou tanto a voltar. As pessoas foram boas comigo, tentaram me consolar. Tudo em vão.
Todo esse tempo deu tempo de engordar e emagrecer. Fiz novos amigos, já os perdi, já tenho outros amigos e já perdi estes também. Mudei de casa. A Pandora ganhou dois irmãos. Troquei de trabalho quatro vezes. Segurei forninhos. Segurei essa barra que é gostar de você. E tantas outras coisas, todas elas aconteceram enquanto você estava longe de voltar.
Eu mal pude esperar pela sua volta. Urgência. Insônia. Olheiras que também venho tentando resolver de forma inútil. E algumas balas para dormir.
Neste fim de semana tive um resfriado relâmpago de apenas um dia, perdi o show dos Titãs no PJ, mas quem eu queria ver mesmo, era você. Era tudo ansiedade.
Mas agora você está aqui. E eu toda facinha na sua depois de seis longos semestres de espera. Três em um mesmo ano. Três sem tirar. Lembra? E quem sobreviveu para contar essa história? Não sei mas eu estou aqui todinha para você.
Vem, Férias, vem quicando pra mim, sua linda. 

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

15 minutos

Eu não sei porque ela apareceu ali e eu inclusive perguntei se naquela hora, de sol quente do meio dia e pouco ela não deveria estar na escola. Mas ela disse que tinha 18, já.
18, se não fossem os documentos falsos que eu conhecia muito bem, eu teria dito: Que legal, já pode entrar no motel.
Mas essa coisa de ter 18 e poder entrar no motel é da minha época e não da época dela. O que as pessoas da época dela estão fazendo? Não sei. O que comem, como vivem? Não sei. Provavelmente fabricam seus próprios documentos falsos com muito mais facilidade do que nós, da minha época, fazíamos.
Sei lá, misturam vodca na gelatina enquanto ouvem alguma banda indie, não sei, algo colorido assim.
Essa moçadinha de hoje não conhece nem o He-Man. Lembra daquele episódio em que o He-Man dizia para não fumar?
Pois é, evidentemente não ouvi aquele conselho do He-Man. E eu fazia os 15 minutinhos finais do meu almoço, com o meu cigarro na porta do trabalho. Eu sou fumante, sim e depois do almoço eu percebo que as pessoas do meu departamento tapam o nariz. Elas sentem o cheiro do cigarro. Fazer o que?
Ela me pediu o isqueiro. Na minha época este era o grande início de conversa que você poderia ter em qualquer lugar da Augusta, era um código mas fiquei na dúvida se ela sabia disso...se nos dias de hoje este código ainda existe. Então fiz cara de moralista e perguntei se não era a hora de estar na escola. Não funcionou porque ela veio com o papo dos 18.
E aquela tossida depois de dar a primeira tragada me levou a crer que sim, ela conhecia o código impregnado na tradição dos amantes da noite.
Já vivi bastante para entender que ela queria conversar comigo. Eu pensei comigo: adolescente geralmente gosta de reclamar da família e foi isso que eu perguntei. Se os pais dela sabiam que ela fumava.
Pronto. Ela contou tudo sobre os pais, o irmão, os questionamentos políticos, filosóficos, religiosos, etc e tal, o curso que começou na faculdade e que tá abrindo a cabeça, e todas as outras coisas que estão abrindo a cabeça. Ela me parecia ter a cabeça bem aberta mesmo.
Mas eram os 15 minutinhos finais do meu almoço. E o tempo acabou. Ela era linda e me perguntei se eu ainda tinha idade para isso, para achar alguém de 18 linda.
Não tinha nada demais nisso tudo era só que o dia estava ruim e ficou melhor depois que alguém pediu meu isqueiro emprestado.
Alguém que se destacava na multidão.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Virado à Paulista

Eu lembro dessa história. Foi numa quinta-feira.
Foi num dia tipo assim que a gente fala: Passa lá no trampo pra almoçar, a gente faz alguma coisa depois.
Isso me contaram depois também.
Tem um cara que frequenta aqui a lanchonete...eu não sei o nome dele mas a gente chama de poliglota porque já vimos ele falando várias línguas. Quando ele chegou nesse dia, ele beijou a boca de uma moça bem nova que eu nunca tinha visto aqui.
O que eu achei gozado é que eu achava que ele era namorado de uma outra moça que também vem sempre aqui, eles almoçam juntos todos os dias. É a Cidinha, essa eu sei, já ouvi ela se apresentando pras pessoas.
Aí o poliglota beijou a moça mais nova, eu vi detrás do balcão. E aí a Cidinha chegou e beijou ele também. Nunca tinha pensado isso do poliglota.
Acho que é porque ele fala várias línguas então tou pensando em fazer um curso de inglês daqueles que você aprende a falar em 3 meses. As mina curte isso já saquei.
Os três foram pra mesa, vieram para mais perto da pia, eu tava lavando os copos nesse dia.
Então o poliglota sentou ao lado da moça mais nova com a mão na coxa dela e perguntou o que elas queriam comer.
A moça mais nova disse que não queria nada, valeu. Já tava de saída. Mas pôxa, ela tinha chegado só há 10 minutos!
E então ele disse: Vai comer, sim. Cidinha o que você vai querer?
A Cidinha disse que queria comer um virado à paulista. Ela disse que tava com vontade de comer bisteca.
O poliglota disse para a moça mais nova: ah, ótimo, pode ser virado à paulista então, amor?
A moça mais nova só falou que podia. O poliglota perguntou então o que elas iam beber. E esperaram o atendente.
Eu não estava atendendo neste dia. Aí como o atendente não apareceu porque a lanchonete tava cheia, o poliglota veio fazer o pedido no balcão com o Noca.
Enquanto isso, na mesa, a Cidinha mexia no celular. Se pá ia fazer um selfie com a bisteca e postar no face igual todo mundo.
A mais nova olhava para o teto e para os cartazes da lanchonete. Bolo de climão.
A cidinha então pergunta para quebrar o gelo:
- E aí o que você gosta de fazer?
A mais nova vira para Cidinha e fala:
- Gosto de escrever hitórias.
Aí parece que só por educação ela pergunta:
- E você?
- Ahhh, eu gosto de crianças.
A mais nova parece bem menos empolgada mas diz:
-Legal.
O poliglota chega e o virado à paulista deles chega bem em seguida. Aqui a gente trabalha bem rápido, principalmente na hora do almoço que é rush, né.
Enquanto eles comem, a Cidinha conversa com o poliglota sobre relatórios de uma burocra qualquer.
A mais nova se levanta, diz, tou indo e da um beijão no poliglota. E sai.
Que bundão, cara. sássenhora. Se eu não tivesse no trampo eu ia dizer: Aí, sim, heim?
Aí foi rápido. Mesmo com os carros passando a mais nova atravessou a alameda.
O corpo dela voou alguns metros. Sangue na cabeça e acho que esta historia ela não vai escrever.
Foi o virado à Paulista mais indigesto que eu já tinha visto na vida.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

simples assim

Parece uma grande bobagem.
As coisas todas tornando-se mais leves naquele dia, o dia dos origamis.
Aquela tarde de outono em que suas mãos ficaram com os dedos todos verdes depois de dobrar aqui, agora aqui, ali e e ali de novo.
Antes de abrir as asinhas - tem que fazer um pedido. Foi o que você havia me dito.

E eu fiz.

Mas depois você me disse que para que o pedido se realizasse eu deveria fazer mais 999 origamis.

Eu deveria dobrar um bando de 999 origamis tsurus cuja técnica eu ainda não havia dominado e estava longe de dominar.

Você também parecia triste mas certamente não era por isso. Você não sabia que eu parava por ali.
Você não sabia que eu não chegaria a dobrar os outros 999 tsorus.

Não. É tudo mais simples. Você dobra 1000 tsurus para seus pedidos se realizarem.
Eu torno as minhas causas mais urgentes. Eu dobro só um e todos os meus pedidos devem se realizar. Assim mesmo.

Tsurus solitários.

Tsurus solitários. Como eu.

O que importa é a leveza no abrir das asas para voar.

E sempre na hora do voar e partir eu sentia saudades de tudo aquilo.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Eu volto logo, me espera.

Foi a minha primeira vez e ela foi legal comigo.
Ela tinha cabelos longos e vermelhos mostrando a raíz, sardas, unhas pintadas de um verde quase petróleo, aneis e pulseiras. Usava uma blusa branca envolvida por um colar.

Ela disse: Próximo!

E eu avancei meio sem saber o que fazer.
Ela me perguntou: sedex, carta registrada ou simples?
Eu disse que não sabia a diferença entre os três.
Ela me disse que o Sedex chegava no dia seguinte no horário comercial. 15 reais.
Depois ela disse, "ah, eu menti para você, é 14 reais, meu amor". Ela me chamou de meu amor. Me passou o preço e me chamou de amor. Agora eu sou o amor da moça que atende no correio.
A segunda-feira ficou bonita, finalmente.
Ela colou o envelope, colocou a etiqueta e disse desta vez: este é o seu número de controle. Tá, minha linda?

O mundo é tão hostil que eu achei estranho tanta simpatia. Eu me senti mal por querer responder: Linda é você, querida.

Eu estava sem reação. E disse um "obrigada, moça" genérico mesmo pensando em não sorrir muito, talvez tivesse um verde entre os meus dentes não escovados após o almoço.

Eu tenho 20 e poucos anos e hoje foi a primeira vez em que eu fui para o correio enviar uma carta.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

amores efêmeros

Cheguei a lembrar de muitos dos nossos momentos juntos. Eu te limpando por dentro, passando a esponja com espuma em você. Todos os fins de tardes e começos de dia em que estivemos juntos e todas as noites após às 22h em que ficávamos juntos tentando fazer tudo o mais baixo possível porque afinal moramos em um apartamento e no prédio aqui é silêncio absoluto após as 22h.
Todas as vitaminas e sucos que fizemos juntos. E até aquela torta que aprendi a fazer neste ano, ao tentar cumprir a minha meta de aprender a cozinhar mais até o final de 2014.
Agora sei que o fim está próximo. É o fim da nossa deliciosa relação de três anos. Lamento dizer que o seu fim será um ferro velho provavelmente e que depois de ir pra lá, nunca mais nos veremos e você nunca mais sentirá o toque suave das minhas mãos.
Obrigada por tudo que passamos juntos. Obrigada por todas as vezes em que você bateu pra mim.
Eu também estou triste. A vida continua dura e se não fosse o crediário nas Casas Bahia talvez fosse pior e agora que você quebrou...terei de comprar um liquidificador novo.