domingo, 16 de dezembro de 2012

Gostava das curvas.


Há algum tempo que não torcia para ganhar um beijo depois de uma carona ganha por causa de uma noite de chuva imprevisível. – Talvez tenha me oferecido uma carona com segundas intenções, como costuma fazer com todas as outras.
Não posso te deixar ir sozinha – dizia – você pode se resfriar.

E pensou que diante daquela pontada logo acima de seu umbigo, um resfriado era o de menos.

domingo, 25 de novembro de 2012

Humanas.

Não somente aquele lugar ficou vazio mas também as relações humanas que existiam ali foram esvaziadas, ficando fora dos espaços que deviam ocupar. Muros foram erguidos por todas as partes e muitas vezes tomei o impulso para pular mas parava no meio e pensava: "Não, eu não posso. Eu não posso mais com isso" e ficava imóvel no mesmo lugar.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

História de uns bonecos ou venha conosco e seremos alegres!

Para todos os bonecos de madeira, fadas, gatos, raposas, grilos, baleias, Gepetos, Pavios e Pinóquios.


Era uma vez.....
- Um pedaço de pau!
Não, meninos, vocês se enganaram. Era uma vez MUITOS pedaços de pau, mas apenas 40 deles foram escolhidos para trabalhar dentro de um livro, um livro mágico! E por isso, mereceram virar pequenos bonecos de pau.
Então, a fada, usando uma camiseta de time de baseball, marias-chiquinhas e óculos disse:
- Vocês serão divididos em três equipes: manhã, tarde e noite! Serão cinco meses dentro do livro. Algumas pessoas virão aqui visitar o livro e vocês é que vão acolher essas pessoas!
Diante disso, alguns bonecos ficaram com medo:
- Acolher?
E aí a Fada, antes de chamar os bonecos para entrar no livro, explicou tudo: qual era a estória deste livro, porque essa estória existia, quais partes da estória estavam lá. Fez um sinal juntando o dedo indicador com médio e o anelar com o mínimo, separando-os e disse:
- Confio em vocês.
Ao escutar isso, todos sentiram o significado desta palavra chamada Acolher. E muitos significados foram descobertos nestes cinco meses.
Mas apesar de serem bonecos de madeira, sentiam calor, fome, sede, frio e medo. Mas, não eram meninos de verdade, apesar de tudo isso, eram apenas bonecos de madeira, queridos leitores.
O livro era gigante, cabiam muitas pessoas dentro dele ao mesmo tempo, inclusive nos dias de calor.  Algumas foram as dificuldades destes bonecos em acolher tantas pessoas dentro deste livro e acolher uns aos outros, mas eles chamaram isso de Aprendizado.
Isto, o Aprendizado era o que faltava para que eles virassem meninos de verdade no final daqueles cinco meses. E por mais que eles trabalhassem, virar menino de verdade, era difícil porque......dependia do outro. Afinal, eram três equipes que formavam uma grande equipe! Tinham de virar meninos de verdade juntos.
Conscientes disso passaram a procurar todas as formas possíveis para virar meninos de verdade, mas este outro da qual eles dependiam não estava somente entre eles, mas estava também do lado de fora: eram as pessoas que entravam dentro deste livro. Era preciso então, conseguir um Aprendizado com as pessoas de fora e de dentro.
E eles conseguiram um dia se transformar porque o olhar do outro melhorava o olhar deles, destes bonecos de madeira. Ao entrar no livro, as pessoas ficavam encantadas e isso era transformador. Cada gesto, sorriso, olhar, resposta que recebiam de volta faziam com que fosse menos pau e mais humanos.
Um dia, estes bonecos de pau foram virando meninos de verdade. Um por um, como se estivessem em um corredor em que você entra boneco e sai menino. Depois de se transformar, alguns riam e diziam:
- Como eu era engraçado quando eu era um boneco!
Alguns choravam, depois de virar menino de verdade, cada um deles seguiria um caminho e talvez não fossem mais se encontrar. Outros, não conseguiam chorar, nem rir, se abraçavam e diziam o que haviam aprendido uns com os outros, agradeciam por aquela experiência.
Mas do lado de fora do livro, tudo sorria: as paredes, as escadas, os elevadores, os sofás, as mesas, as cadeiras. Até a piscina sorria.
É que de tudo fica um pouco e quando os bonecos se tornam meninos de verdade, todas as coisas ganham um aspecto novo e sorridente.

(Este miniconto partiu da experiência do meu estágio na exposição "Pinóquio: uma Bela Arte" no Sesc Belenzinho. Algumas falas eu ouvi durante o processo, outras são do livro do Pinóquio, do escritor Carlo Collodi)

Deste lugar


E essa timidez que chega como quem não quer nada, tomando conta do meu corpo e da minha voz, me deixando sem resposta diante de alguém que representa muitas coisas.
Não há o que fazer, eu sorrio meio boba. Talvez o meu corpo diga mais do que a minha fala.
Talvez o meu toque me represente. Talvez o meu corpo preenchendo o espaço do seu, venha a calhar.
A calhar com essa sensação louca, esse pedido louco do meu coração de não querer que este abraço acabe nunca.
Eu digo palavras que depois percebo serem repetitivas e sem criatividade.
A minha criatividade, a minha eloquência, o meu chão. Você levou com você.

domingo, 14 de outubro de 2012

Constatação.

Algumas pessoas devem estar tão acostumadas com elogios que dizer - Você é foda, eu te admiro - pode parecer um pleonasmo.

domingo, 7 de outubro de 2012

Síntese

Comecei a escrever em um diário que eu ganhei no meu aniversário de 6 anos. Quando eu tinha 12 anos comecei a escrever em um blog. E continuo até hoje. Durante todo este tempo parei muitas vezes mas depois de entrar no curso de Letras resolvi me aceitar. Aceitar que a escrita me possibilita viver o que sem ela seria impossível. Meus pensamentos e minha imaginação não cabem em mim, por isso, eu escrevo.

(Eu tenho um jornal. Em outro post conto sobre ele. Eu precisava de um perfil para o nosso site e foi muito difícil conseguir sintetizar minha relação com o ato de escrever. Este é o produto final que coloco aqui porque espero poder organizar este blog um dia.)

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Contradições

Era tão auto-suficiente mas tão auto-suficiente que além de se masturbar, lambia as próprias feridas.
Apesar disso, sentia-se só durante aquele momento do dia em que o sol vai embora e o céu fica misto de roxo com laranja.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Cabelo ao vento

Nunca mais fomos meninas boazinhas depois daquele dia.
Depois daquele dia vestir roupa preta virou regra de sobrevivência, insistir no esmalte vermelho questão de ordem, dançar o rocknroll sintoma de liberdade.
Sempre havia bebida. A cachaça e o vinho estariam sempre lá para recepcionar as cervejas que chegavam depois mas eram hóspedes bem-vindas naquela geladeira.
As pequenas coisas da vida existiam para salvar as nossas vidas. Os namorados, os amigos, os gatos, a indústria farmacêutica, as risadas que ecoavam dentro da madrugada.
E tudo isso - eu não costumava dizer - era chamado carinhosamente por mim de Poesia.

domingo, 23 de setembro de 2012

Pequenas surpresas.

Naquele dia não queria ter dito tchau. Queria um tempo elástico e dilatado que durasse muito mais.
Queria ir jantar e beber algum drink cheio de simpatia batida com doçura. Queria ouvi-lo dizer qualquer coisa.
Ele chegou atrasado embora dissesse ter adorado conhece-la. Essa foi a primeira vez em que acreditou ter ouvido algo sério da parte dele.
Chegou ao pé do ouvido e disse - Adorei te conhecer. Falta de sensibilidade dela, quem sabe. Talvez ele já tivesse sido sério muitas vezes, ela quem nunca havia percebido.
A ambiguidade das palavras e gestos também era encantadora e diante isso, a seriedade ou falta dela, ficavam em segundo plano.
Aquele cara sabia muitas coisas. Inclusive fazê-la sorrir. Sem nenhum esforço.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Maria Eduarda

Eu nunca vou esquecer da Maria. Quando chegou, Maria foi logo dizendo: - Oi, eu sou nova!
Depois ela estava no grupo que eu iria levar para visitar a exposição de arte. Quando eu disse meu nome, ela disse o dela.
Disse que nossos nomes eram parecidos e notei que o sotaque era diferente. A professora disse que ela era de Portugal.
Eu fiquei encantada, perguntei de onde ela era e ela disse "Sinos" mas por causa do último S não pude compreender.
Perto de onde, eu perguntei. Mira, Penafiel, Boelhe, Coimbra, Porto, Minho? Recitei todas as cidades que eu sabia, na verdade não conheço cidade nenhuma apenas sei os nomes de algumas universidades de lá.
E ela disse que ficava perto de Coimbra. Cu-im-bra.
Maria era a única que já tinha ido em uma exposição de arte. Ela disse que em Portugal tem exposições com quadros e esculturas.
No final do passeio, perguntei o que ela tinha visto na exposição daqui que não tinha lá. E ela disse: Mistério!
Em todos os momentos daquela 1h20 de visita tentei disfarçar que a criança mais interessante era a Maria.
E até quando a outra garotinha me contou ser filha de um chinês. Neste dia as crianças se juntaram para falar que me amavam.
Um amor de 1h20. Outras crianças passaram por mim e me amaram depois disso.
Ainda assim, eu nunca vou esquecer da Maria.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Outras coisas da vida.


Eu estou apaixonada por um carinha aí. O nome dele é Antonio. Antonio Lobo Antunes. Ainda não nos conhecemos muito bem mas acho que quando isso acontecer de fato, nos daremos muito bem. Sei que ele foi pra guerra, sei que ele é médico e sei que ele mora num lugar lá longe chamado Europa. Muitas pessoas falam sobre ele e até escrevem sobre ele! Outras, menos importantes tem que fazer pesquisas sobre ele para ganhar nota na graduação. E outras nem sabem que ele existe. Ouvi dizer que ele toma gelados depois das tardes de autógrafo que ele faz. Bom, pelo menos foi isso que eu li em um livro que ele mesmo escreveu. Esqueci de mencionar que ele é escritor, por isso o mundo dele é sensível e todas as imagens tornam-se palavras. Na verdade nosso amor nunca acontecerá realmente. Mas eu também escrevo e neste caso, todos meus amores impossíveis tornam-se possíveis, ao menos aqui.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Outra estrada

Aquela garota me deixou. Me trocou por outra que julgou mais interessante que eu, talvez.
Me largou febril e doente em um quartinho sujo de hotel no México. Naquele dia agonizei e muitas foram as coisas que passaram pela minha cabeça.
Um dia ela volta, eu pensei.
E voltou.

Mas eu já estava em outra.

sábado, 26 de maio de 2012

Hendrix

Eu acordei de mau humor hoje, meu querido. Eu estou que não me aguento.
Não, não é uma tpm. Isso é coisa da modernidade.
Eu não teria capacidade de perceber que os peitos incham e as espinhas aparecem caso não soubesse quando entro naqueles dias. Não sei quando isso acontece, portanto. Sei que a cota deste mês já foi. Então, gosto mais de ser "de lua" do que ter uma "contratempo" moderno.
Acordei cedo mais uma vez, darei conta da pilha de louça enquanto escuto teus acordes, tua voz.
Obrigada por vir me visitar hoje.
Estamos passando por tempos difíceis.

*Inicio aqui a nova série deste blog com esta republicação do meu blog pessoal.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Sobre a maturidade.


Eu já fui uma grande revolucionária, também. Minha mãe trocava a minha fralda, trazia o tetê, ligava a tv no desenho e quando algo não estava bom eu reivindicava aos berros mais chocolate no toddynho. Mais tarde, eu pedia paralisação imediata, esse era o meu único instrumento de luta, então, eu abria a porta e gritava: - Pronto, mãaaae!. E aí ela vinha me limpar. Quando ela não aceitava minhas condições de revolução, eu fazia piquete: Espalhava todos meus brinquedos pela casa. E eu ficava bravinha quando ela pedia (não tão gentilmente) para que eu guardasse tudo. Eu também gritava, batia as portas e fazia minha liberdade de expressão na parede. Se trancou no quarto com o papai? Eu chuto a porta e ocupo.
Não gostava da escola, fazia birra e batia o pé. Eu dormia nas aulas, a mensalidade era eles que pagavam afinal de contas.
Meus professores eram todos uns assalariados, burgueses, neoliberais e pós modernos.

Hoje em dia fazer a revolução tornou-se difícil: Tenho que pagar por todas as revoluções feitas por mim.

(Achei este texto perdido na área de trabalho do computador, não ia publicar porque ele é muito diferente dos outros textos deste blog e acho até que destoa um pouco. Contudo, um dia, vou separar os textos em páginas, dividindo-os por gêneros e assuntos, então, a diversidade também é bem-vinda.)

Cada vez menor.


Uma garoa fina que insiste em cair nesta manhã inibindo a organização de meus tortuosos pensamentos.
Ela dorme em meus braços, com a respiração ofegante, sem se importar com mais nada.
Os carros derrapam na aquaplanagem do fim da ladeira fazendo barulho.
Um dia como todos os outros dias, tantos outros dias.
Assim sempre, sempre assim, assim tem sido.
Não é um motivo para chorar.
Depois chega o sol.
Assim espero.
É, espero.
Sorrio.

(A estrutura deste texto é em escada, ou seja, ela começa com linhas maiores e vai diminuindo como se fossem degraus. Aqui não foi possível deixar com esta configuração)

terça-feira, 22 de maio de 2012

Eu não quero perder o equilíbrio.

Escrever era a única salvação que havia para que pudesse escapar da forca, portanto.
Escrevia até que seus dedos ficassem em carne viva.
E doía. Não podia chorar de dor, portanto escrevia.

Nuvem negra.


Quando chegou, o colchão estava no corredor, com mais pontos de mofos do que outrora.
- O que aconteceu, aqui? - ela perguntou incrédula. - Choveu e entrou água dentro do seu quarto.
Aquele quarto. Passou alguns tantos infelizes anos de sua vida ali.
O chão cheio d'água e a cabeceira descascando, havia bebido muita água, a pobre.
- Por que não me avisaram? Olha o estado desta cabeceira! Ela está destruída.
- Nós já chamamos alguém para ver isso.
- Mas e a cabeceira? O colchão? Eu não tenho dinheiro para comprar outra cabeceira e outro colchão!
- Eu te compro outros!
Dinheiro nunca havia sido o problema por ali, na verdade. O problema era como este dinheiro vinha sendo aplicado nos últimos 10 anos.
Mudou os móveis e as coisas de lugar muitas vezes por causa da água da chuva que insistia em descer pelas paredes, pingar do teto ou entrar pela porta.
Dessa vez, percebeu, teria que encontrar por fim lugares definitivos. Para as coisas, pessoas e lembranças existentes ali.

A história de Beethoven e sua pedra no rim.


Quando conheci Beethoven, ele era um rapaz que eu encarava com alguma estranheza e encanto porque ele é diferente dos outros rapazes mas é igualzinho ao rapaz que eu idealizava em meus sonhos mais profundos.
Houve uma época muito triste em que eu não encontrava Beethoven porque ele tinha cólicas renais e não ia para a faculdade, portanto.
Eu olhava com algum desespero para fora da sala 1, esperando que ele aparecesse e por vezes ele não aparecia. Ele estava muito longe.
Hoje Beethoven está muito perto. E isso me deixa feliz todos os dias ao acordar e antes de dormir. Aqui na toca do escorpião é tudo muito simples. Beethoven fica escondidinho dentro dela quando sente dor no rim.
Todavia, agora as coisas são diferentes. Ainda com a dor no rim, eu posso abracá-lo.
Posso abraçá-lo e chamá-lo de meu.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Cotidiano

Sozinha como em todas as manhãs, pediu seu yakissoba individual que não tardou a chegar.
Acostumou-se a fazer suas refeições sozinha ainda que detestasse esta parte da solidão. Da sala, escutava Jim cantando. L.A. Woman. Ele e seus amigos mortos sempre cantavam para ela.
Seu biscoito da sorte viera com duas sortes, divertiu-se pensando se tudo estaria tão podre para ser necessário duas sortes. Depois chegou a conclusão que sim, está tudo podre. E várias sortes se fazem necessárias.
Abriu uma lata de cerveja e dançou sozinha o Roadhouse Blues. Outras latas de cerveja foram abertas depois.
Esquecer era sua proposta de passatempo pr'aquela tarde vazia.

Casinha

Vem, vem aqui. Agora eu sei passar um café.
E o bolo de caixinha que eu aprendi a fazer, foi a minha revolução.
Tem uma toalha xadrez e tem música, tem filme, tem livros.
Tem gato e tem comidinha. No meu coração cabe tudo, tudo nesta casinha.
Pode vir, vem que também tem poesia.

terça-feira, 24 de abril de 2012

As jiboias engolem sem mastigar a presa inteira.

I

Pior do que eu poderia ter imaginado. Chegaram em bandos como animais, como urubus atrás de carniça fresca.
Antes que eu pudesse esboçar qualquer reação, a vi. Soterrada em meio a multidão. Ela estava lá, tão pequena e tão grande. Sempre de cabeça erguida, como me ensinara dias atrás.


II
Há algum tempo eu poderia ter chorado. Já fui mais fraca, mais frágil, mais sensível.
Vai ver que foi o tempo que me deixou assim: Dura. Dura de corpo duro, coração duro e pulsos duros. Essas cicatrizes e novos hematomas que insistem em aparecer não me deixam mentir. Eu não nasci assim. Este peso que eu uso para permanecer sentada nesta carteira é fruto do tempo. E da minha educação.

(Textos escritos em meu diário durante o sarau dos ditadores)


sábado, 21 de abril de 2012

O dia em que eu me apaixonei pelo Bob Dylan

Ela tinha 16 anos. Era um dia como todos os outros. Acordou de mau humor, desceu para a cozinha, tomou um cappuccino na sua caneca preferida, foi até o banheiro, fez xixi e escovou os dentes, voltou para o quarto, vestiu o uniforme da escola todo surrado e jogou o material escolar na mochila.
Foi torcendo pra morrer no percurso do quarto até o carro, mas não deu certo. Entrou no carro e do banco de trás pediu ao pai para que sintonizasse o rádio na rádiorock.
Começou a tocar uma canção que havia tocado na mesma hora, mesmo lugar no dia anterior. Achou que não conhecia a música ou não lembrava de conhecer. Pela sonoridade e pela voz, presumiu que fosse do Bob Dylan, mesmo sem conhecer muito bem o cara.
Sabe, quando você escuta uma canção e se apaixona na mesma hora? É isso. Agora chamaria isso de formação discursiva, mas naquele dia não encontrou explicação.
Entorpecida, batendo a cabeça no banco do carro de casa até a escola. O mundo passava a ser seu quando escutava alguma canção que a fascinava.
Não desceu do carro até o locutor falar de quem era aquela canção. Era do Bob Dylan mesmo.
E ele era fantástico. Meu Deus do céu, que violão, que gaita, que voz, que pagada.
A canção como descobriu após vasculhar a discografia dele chama-se "The Hurricane".
E permaneceu em sua cabeça, junto com a voz de Bob Dylan o dia todo.
Será que amanhã ele virá novamente? – ela pensava.
Já ouvi dizer que quando passamos muito tempo pensando na mesma pessoa e ficamos esperando pra encontrá-la todos os dias, é porque estamos apaixonados.

(Este texto eu escrevi no dia 14 de fevereiro de 2007. Revisei e passei a narração para terceira pessoa. Este episódio aconteceu de verdade. Neste mesmo ano Bob Dylan fez um show no Brasil que eu não puder ir porque eu estava ensaiando a peça "Primavera". Amanhã Bob Dylan fará uma apresentação em São Paulo e eu estarei lá.)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Minicontos

I

Você me encontrará jogada na sarjeta com um maço de cigarros amassados em meu bolso traseiro e uma garrafa de pinga barata em mãos.
Dessa vez nem os cachorros de rua lamberão as minhas feridas, eu estarei toda imunda com as roupas rasgadas e as unhas por fazer.
Meu tênis desamarrado e o meu cabelo ensebado deixarão claro que eu desisti.
Eu desisti de tudo, de mim e de você.
Eu desisti da vida.
Agora eu larguei os cavalos e aposto apenas em meus delírios.

II

Não. Não vá embora por favor. Fica, fica, eu preparo o teu jantar.
Eu te dou um banho quente, eu ponho a mesa, eu faço o café. Eu te empresto o meu cobertor.
Eu....eu te dou aquele meu disco que você gostava tanto, sim, aquele que escutamos em nosso primeiro encontro, sabe?
Eu lembro de quando você chegou. Você me ofereceu um cigarro e eu aceitei fazer parte da sua vida, pra sempre.
Por favor, fica. Está chovendo, você vai se molhar e ficar doente. Não quero que você fique doente. Minhas aspirinas acabaram na semana passada.
Não vá, te peço.

III

Depois daquele dia as coisas nunca mais foram as mesmas. Estariam agora condicionados a fazer as refeições em silêncio escutando apenas o chiado vindo da televisão.
Você está errado, cara - ela disse - você está sempre errado.
Jamais assumiriam para si mesmos mas havia o cachorro. O cachorro o qual nenhum dos dois estava disposto a abrir mão.

Vou falar.

Adoro essa parte de quebrar a quarta parede e conversar com o público, olhar no olho e falar - Oi, que bom que está aqui.
Isso eu trago do teatro embora caiba em todas as outras coisas da vida também, o diálogo - amo isso.
E por falar em diálogo, gostaria de aproveitar este post para agradecer muito as visitas que tenho recebido aqui.
Na verdade eu escrevo mais para mim do que para o outro, no entanto, o outro é sempre importante, muito importante.
Como eu mencionei ali embaixo estou tentando organizar este espaço, bom, aceito sugestões sobre como dividi-lo.
Confesso que ainda com as aulas no curso de letras sinto dificuldades para dividi-los em gêneros.
Outras sugestões também são bem-vindas, críticas também. Caso vocês percebam falhas e erros de escritas, me avisem por favor.
Ah, tem um link para comentários embaixo dos textos é só clicar e comentar, o espaço é aberto.

Beijos no coração.

O espetáculo do meu coração.

Eu não estou aberta para negociações. Aqui dentro está sendo montado o espetáculo do meu coração e eu não vou trocar o protagonista. Não vou, por mais complicado, mais louco, mais insano, mais insólito que seja, não vou. Não se fazem mais artistas assim, em lugar nenhum. E eu demorei pra conseguir selecionar, foi um rigoroso teste de seleção e ele passou em todas as milhares de fases com boas notas. E hoje a nota de corte já está muito alta, ninguém é capaz de alcançá-lo. Até parece que tenho que subir montanhas para conseguir um beijo, fazer cara de doce para conseguir um abraço, mover mil neorônios para conseguir uma resposta. Pois é, eu faço escolhas dificeis e esse é mais um dia de ensaio do espetáculo do meu coração. É lindo, tudo lindo. Sei que ele vai chegar com uma cena linda, amarrada numa música que ele mesmo criou. Sei que haverão imagens lindas do começo ao fim, todas executadas com tranquilidade e segurança de mestre. Ao final de cada ensaio, beberemos Brahma, com a conta dividida. Não dá mais, daqui a pouco estamos estreando. Não vamos nos apegar em nomenclaturas, exercícios rasos. O tempo passa rápido né? Se as coisas fossem fáceis não teriam a menor graça. Eu aprendi a transformar. Se não dá pra ser, eu transformo. Só não quero ter que trocar o protagonista agora. Foram alguns anos trabalhando nisso. Sabe, como é. Ele chegou tomando conta do espaço, roubou a cena. Talvez tenha sido só mais alguma coisa que ele andou levando consigo sorrateiramente, como aquele livro. E quando é assim, desculpa, não dá. Não dou, não empresto, não troco o meu protagonista. Não desisto. E não adianta insistir. Eu não estou aberta para negociações.

(Este texto foi escrito dia 19 de julho de 2009 e o título original era "partindo ainda daquela improvisação" escrevi depois de um dia de improviso livre que fizemos. Este blog na verdade, também conta com textos que eu já havia publicado em outros blogs. Estou fazendo isso para arquivar tudo que eu acho razoável em um lugar só. Fazia muito tempo que eu não relia este texto, hoje eu pensei: Eita, eu escrevi isso?)

Cacofônico

Pensei que fosse chorar. O dia começou magoado e acho que não vai melhorar.
Alguma coisa de dentro de mim morreu hoje e essa coisa se chamava esperança.
Ela morava ao lado do orgulho dentro do coração. A solidão passou aqui e a levou para longe, muito longe.
O resto que ficou era o silêncio. Depois daquilo só o silêncio nos tiraria dali. Eu queria dormir e só acordar depois de muito tempo.
Copos de vidro sendo quebrados como o meu coração, agora em pedaços espalhados pelo chão de piso frio de um boteco de esquina qualquer.

(Este texto era dois mas deixei que ele fosse um só, como eu: só)

domingo, 15 de abril de 2012

Noite feliz

O aniversário chegou mais cedo neste ano. Ganhou uma caixa de livros dela, a moça da caixa de livros. Uma caixa cheia deles.
- Vem aqui no carro, você pode escolher quais livros você quer levar.
Livros são como animais e pessoas disponíveis na adoção. É doloroso não poder escolher todos, contudo, desta vez podia.
Sem ação disse um "ahh?" e lá estava a caixa, organizada com os livros empilhados.
Meio descrente observou enquanto eles mexiam nos livros. Um deles havia uma dedicatória.
- Olha, este aqui tem uma dedicatória, você não vai pegar de volta?
- Este? Não, ela não é mais minha amiga, pode levar.
Sentiu uma tristeza horrível ao escutar isso. Alguém teve a oportunidade de estar ali, naquele coração e não estava mais.
Por outro lado, uma caixa de livros anunciava uma porta aberta, se alguém estivera ali e não estava mais, havia espaço livre, portanto.
Disse um obrigada provavelmente vazio diante de uma caixa de livros, um gesto tão generoso.
Chegou em casa e depositou a caixa no piso de madeira. Sentada com as pernas em volta da caixa pegou um por um dos livros como em uma manhã de natal em que se acredita que o Papai Noel esteve ali deixando um presente maravilhoso debaixo do pinheirinho cheio de bolas e anjos pudicos com harpas, pisca-pisca com defeito e cheiro de mato.
Um Cesário Verde chamou a atenção. Cheio de anotações dentro de suas páginas guardando memórias de um aprendizado.
Sobre isso, ela, a moça da caixa de livros, já havia comentado anteriormente em outra ocasião:
- Os textos estão anotados assim porque é livro de professor, vocês sabem!
Sabia. Anotações feitas por uma letra agora já familiar. Outrora brincou de analisar grifo por grifo de uma xerox. O texto deveria estar demasiadamente chato, mas agora as coisas seriam diferentes, depois de uma caixa de livros seu problema de concentração com certeza seria curado.
Folheou o Cesário Verde, tão cânone, tão distante. Ranz disse uma vez que quando alguém trazia algo de sua casa, este algo vinha com o cheiro da casa de origem.
Pandora reconheceu o cheiro dos gatos, visto que não queria sair da caixa de forma alguma.
E o Camões guardava dentro de si um fio de cabelo dela. Deixou ali.Encantada com o presente, a caixa de livros, pensou que algumas pessoas é que são um presente. Um presente muito grande.

sábado, 14 de abril de 2012

Outra esfera

Se teatro é a arte do encontro, dá para dizer que eu encontrei e desencontrei muitas pessoas.
Dentre estas pessoas, está a Laura. Laura era produtora do TUSP de Piracicaba.
Foi uma das experiências mais felizes para mim e para o meu grupo. Era um projeto de circulação pelos TUSP (teatro da usp) do interior.
Levamos a peça "Dias de Campo Belo", cuja operação de luz era feita por mim. Não ganhamos nenhum dinheiro por isso, contudo, havia a Laura e tudo de legal que ela arrumou pra gente em Pirassununga e Piracicaba.
No primeiro dia ficamos no alojamento da USP de Pirassununga e dividi o quarto com ela. De todas as vezes em que tive que dividir quarto com alguém em alguma viagem teatral esta foi a melhor.
Laura era um doce, sempre disposta a nos ajudar e dividir conosco suas experiências. Laura era a mãe da Selene, uma menina muito fofa que não podia pintar as unhas das mãos porque estudava em um colégio que era contra a massificação.
Laura foi minha mãe por três dias, a prepa como os meninos e eu gostávamos de chamar. Laura nos apresentou pesssoas incríveis, arrumou um restaurante com uma comida muito gostosa e dois técnicos de luz maravilhosos que eu adorei fazer parceria.
Laura aqueceu meu coração e me deixou feliz por ser do teatro - sim, há pessoas legais no teatro.
Quando fomos embora com o coração apertado, dissemos que voltaríamos. Nunca pude voltar.
A última notícia de Laura que recebi foi que a Laura pegou a rodovia dos bandeirantes e foi fazer saudade.
O palco daqui ficou mais vazio mas imagino que onde você estiver, Laura, há muita luz sobre você.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Tardes magoadas

Um sentimento há muito tempo existente ali dentro. Da época em que os pais bebiam cerveja o suficiente para capotarem nos sofás depois do almoço. Nessa época tinha os brinquedos e depois os livros. Depois dos livros, nada mais importava. A sensação de solidão que escorregava para dentro de casa, via batente da porta, permeando o ar de forma gélida, como em uma música do Pink Floyd. O jeito era ocupar-se todo fim de tarde, portanto. Quando as ocupações iam embora era difícil decidir o que fazer. Outro livro? um filme? O vazio, um vazio que jamais conseguiria preencher. A mágoa não era uma doença apenas do crepúsulo, não, mas das manhãs também, manhãs magoadas. Gostava da noite. A noite era escura, impossibilitando o enxergar. Enxergar todas as mágoas que moravam dentro de si.

Pensava em muitas coisas, seus pensamentos lhe sufocavam mais a cada dia.
Tentava em não pensar em nada e se concentrar apenas nos romances que lia, nos momentos de insônia, nos momentos de agústia.
Fora na Ópera no fim de semana anterior e pensou que finalmente tudo pudesse ficar bem.
Enganou-se novamente.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

“Ta difícil ser eu sem reclamar de tudo”

Essa história de oposição começou cedo na família Guanaes que residia naquela época, um sobradinho de aluguel numa rua de paralelepípedos da Vila Medeiros, que outrora, fora uma fazenda, guardando o seu quê de província, o que depois viria a ser um problema para a protagonista deste texto que na verdade, eu, a autora, não sei bem como terminar.
Nasceu no inverno de 1990 mesma época de sua mãe, muitas vezes escutou “Depois de você ninguém mais lembrou-se do meu aniversário!”. Canceriana com ascendente em leão, algo muito controverso, tendo em vista que a criança era tímida e extrovertida ao mesmo tempo. Era menina mas gostava de azul. Lutou pelo direito ao azul desde a época dos brinquedos de montar feitos de plásticos que ao serem pisados doíam o pé. Pediu muitas vezes um skate no dia das crianças, usava o chinelo do Senninnha que apenas os meninos tinham. Usava boné para trás e bermudão. Odiava cabelo solto. Aquele carrinho de controle remoto que nunca veio. Depois de muito tempo, o pai abriu mão de sua companhia na missa. Ela dormia enquanto o padre falava, sentada no primeiro banco, chegando até a babar.
- Como assim, largar o ballet? Depois de tantos anos?
- Meu negócio é o teatro, oras.
Os caras mais velhos, sete anos mais velho no mínimo e não se fala mais nisso. Decididamente, matemática não. Se for para continuar na escola estudando isso, eu prefiro morrer!
Líder negativa aos 17, chamada na coordenação. Acusação: Dizia não querer fazer as lições e todo mundo deixava de fazer também. Estudou na mesma escola durante 15 anos de sua existência, todo mundo te conhece e você não tem tantos amigos. – Tenho critério em minhas escolhas – foi o que ela disse.
No cursinho essa parte aflorou mais. Amiga do cervejeiro, do evangélico que virou cervejeiro, do outro que também virou cervejeiro e das sapas. Aula de redação, o caralho. Cerveja e bilhar.
- Como assim francês na faculdade? Mas você nem sabe inglês...
3ª chamada. Nossa você vai estudar aqui? E trabalhar? Largar o teatro? Vender xerox com o namorado. E ele precisa morar aqui por um mês, tudo certo? Cama de solteira para dois, escrivaninha para dois, 2 aos 20. Depois, mudança para perto do metrô, finalmente.
Energético no café da manhã, banho frio, unhas azuis roídas, rocknroll, blues.
Ansiosa, nervosa, estressada. – Eu achava você marrenta antes de te conhecer, depois vi que você era uma fofa.
Cigarros sim, mas mentolados, cravados e sem tragar, odeia cheiro de cigarro.
Sempre se lembra da professora de artes dizendo – Estou falando isso, porque gosto de você, você sabe que eu gosto de você, mas você vai sofrer muito porque fica dando a sua opinião!
Ela sofre muito, mas esses roxos e cicatrizes não importam. “Pelega” é uma palavra pouca perto de tudo que já aconteceu em 21 anos.

Expressão

Embalada pela música de som rouco que vem do rádio, gosta disso, fica com a impressão de que não está sozinha. Ela movimenta o corpo no ritmo. Seus pés em carne viva, suas pernas retorcidas, seus pensamentos atrofiados. Dançando toda noite, a guardaria em uma caixa de música, dos meus delírios, uma bailarina sem cabeça.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Lição de casa.

Para Raquel

Não uso o coração. Sim, é o meu coração que me usa. Pois é, o próprio.
Tem a mim como sua fachada, sua portinha com fechadura redonda, com o tapete estirado abaixo do rodapé. Vez ou outra ele admite:
- É ela. A minha humana.
Outrora conversamos:
- O dia está horrível.
Ele emite um sinal. Sinto que é hora de tomar uma água, um ar.
Correr na esteira, carinho na Pandora, ler, escrever, assistir uma aula de Literatura Portuguesa, trabalhar, fazer as unhas, roer estas unhas, tomar um café, fumar cigarros, transar, dormir, acordar, tudo.
É ele que manda em tudo. Não raro eu penso:
- Escutar aquelas palavras aqueceu meu coração.
Ou:
- Comer aqueles chocolates deixou o meu coração bem mais feliz e sorridente.
É tudo coisa dele. Ele que bate, eu apanho.
As coisas tem que ser assim. Se eu desapontar meu coração, ele pára e nunca mais volta a bater.


(Este texto escrevi durante a aula de Literatura Portuguesa, lemos um poema do Pessoa, chamado "isto" e ele diz que não usa o coração. Eu disse que é o meu coração que me usa e a professora disse - ÉEE, escreve sobre isso depois. Mas ela não sabe que eu escrevo, claro.)

sábado, 31 de março de 2012

Diagnóstico.

Passou uns meses internada dentro de si mesma, tomando soro de incentivo nas veias,
comendo apenas sopa de letrinhas. Uma época terrível aquela quando pegou a triste doença das bolas de papel.
Escrevia, arrancava a folha e jogava fora, tudo isso, repetidas vezes.
Dados estes sintomas, foi possível detectar coma em alguns órgãos entre eles a criatividade, inspiração e vontade acima.
Ficou durante um ano lutando contra esse mal, na fila do transplante por um coração novo.
Algumas enfermeiras boazinhas cuidaram dela e agora ela diz que está melhorando, foi uma fase - é o que ela costuma dizer.
O que importa é que durante todo este momento alguns amigos não a abandonaram: os livros.

Modernismo

A verdade é que alguns personagens, narradores, imagens, imaginações, sentimentos e angústias não cabem em mim.
Dividindo junto com as mágoas um lugar em meu coração, é isso, eles não cabem mais em mim.
Eles pegam carona na motoquinha do parágrafo, o garoto descolado da rua de baixo.
Eu deixo que todos eles me abandonem agora, daqui de dentro, para fora.
Depois eu chamo isso de escrever.

Importante

Aquele sorriso e aquele olhar anunciavam algo de bom que iria acontecer.
Minha vida jamais fora a mesma depois de você
Depois de muito tempo eu queria saber
O que eu poderia ser quando viesse a crescer.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Todas as cartas de amor são ridículas.

(Título provisório e intertextual)

Aqui, da época de moleque eu me lembro de uma menina. Aquela menina. Da escola, você sabe.
Aquela das festinhas com poesias, salgadinhos e tudo mais. Poxa, aquela da bolsa verde, como assim você não lembra?
Cara, ela andava sempre com a aquela bolsa verde. A baixinha....éeeeeee, é ela mesmo! Eu lembro dela....
Heim? Que pessoa? Quem? Fernando Pessoa? Ah, é verdade... ela gostava dele. Nessa época, na época dela, eu tinha um sonho e era tocar violão.
Eu sei, nessa época eu já tocava violão. Eu já era transtornado, eu escutava Jim e Janis e me perguntava quem eu era, qual a minha função no mundo.
Eu queria que a minha função fosse tocar violão porque ela cantava e cantava muito bem. Sonoramente doce, demais da conta. Olha, eu sempre tinha a impressão de que ao cantar ela olhava um bucadim pra mim.
Não sei, ela era uma menina discreta, embora chamasse muita atenção.
Um dia pedi para uma amiga que entregasse uma carta para ela. Era uma carta simples, era assim - Oi, você quer ser da minha banda?
Mas ela nunca respondeu. Cara, devia ser por causa desse Fernando aí que você falou...


domingo, 25 de março de 2012

Sobre ele.

Ele andava todo torto. Eu reconhecia-o pelo andar e achava que era dele aquele estilo.
Confessou-me que tinha uma perna maior que a outra.
Então não era estilo, não.
Era um charme.

Para Rafaela

A primeira vez em que partiu eu não esbocei nenhuma reação, como no dia em que chegou. Foi embora sem um abraço de minha parte, magoada que sou achei que não pudesse agüentar.
O tempo passou e por muitas vezes lembrei daquele ano novo e de tudo, sem saber se aquelas lembranças doíam ou traziam saudade. Acabei escolhendo saudade e um dia passeando pela estradinha existente em meu coração percebi que aquela passarinha continuava ali, pequenininha com as asinhas abertas. Já era tarde, a passarinha estava abrindo as asinhas para voar.
- Você pode até voar, passarinha. Eu deixei a portinha aberta para quando você quiser voltar.

Constatação.

Eu preciso fazer uma fisioterapia para os males do meu coração, é isso.

B.

Quando ela chega com as pontas dos dedos sem cor é que eu percebo que as coisas estão diferentes. Inevitável não perceber, há um ano e algumas aulas venho me dedicando a esta atividade quase que religiosamente, todas as sextas-feiras. Na verdade, acredito que ela colecione anéis, vários tipos deles, a moça do anel. Há um roxo, azul, vermelho e gosto de pensar que há uma gaveta cheia deles metodicamente organizados, do maior para o menor, do mais claro para o mais escuro..
Um dia resolvemos presenteá-la. – Um brinco? Um colar? – ele perguntou. A decisão foi tomada no dia seguinte quando um anel de coruja apareceu quase que voando diante de nossos olhos – é este, as corujas representam a sabedoria!
Naquele dia vimos o seu olhar brilhando ao colocar a pequena corujinha em seu anelar. Mas hoje o dia amanheceu sem brilho algum.